[ALERTA: Este post nasceu de um debate na página administrada por Eli Vieira. Após conversas pessoais entre nós dois ficou claro que houve incompreensões no argumento de lado-a-lado. Tanto o Eli não compreendeu meu argumento original quanto eu tomei a resposta dada por ele e o desenrolar da conversa como evidências de uma opinião que de fato ele não expressou diretamente.
Mantenho o post porque a posição que tomo aqui permanece: minha grande preocupação contra o ativismo trans diz respeito a como leis e contratos estão sendo reinterpretados, subjetivizados, judicializados “por pacote” e sem consideração ao que era sensível ao próprio estabelecimento das regras (a inserção de homens transexuais no esporte é o exemplo mais óbvio) e às questões de liberdade de expressão (vide casos do Nego do Borel e do Jordan Peterson).
As crenças que infiro e atribuo a Eli Vieira ao longo do texto, contudo, foram frutos de confusão mútua quanto aos argumentos expostos durante o debate virtual e na verdade temos posições bem semelhantes quanto ao tema.
O Eli me lembrou de um texto que já havia publicado sobre trans nos esportes. Recomendo. Solicito também, a quem ler o post a seguir, que considere a resposta apresentada pelo Eli nos comentários]
O geneticista Eli Vieira publicou um vídeo falando sobre o episódio do golden shower no bloquinho, e apresenta argumentos de natureza biológica para defender a posição de que os dimorfismos neuroendócrinos definidos durante a idade gestacional são importantes para definir o sexo, digamos: de fato, dos indivíduos humanos.
O vídeo tem duas mensagens centrais. Uma é a de que os inúmeros gêneros e boa parte dos conceitos emergidos do ativismo trans não têm base científica. A outra é de que o transexualismo em si, a existência de pessoas cujo sexo do cérebro está em desconexão com o sexo do corpo, existe de fato, e tem sólida corroboração empírica para o fenótipo, para além de ele ser altamente previsível em termos teóricos.
Para Eli, pessoas como Roberta Close e Tiffany do Bauru são, e devem ser entendidas como mulheres: “estamos descobrindo é o que faz uma mulher ser uma mulher e um homem ser um homem, o que te obrigaria a aceitar que certa minoria de mulheres nasce com pênis e certa minoria de homens nasce com vagina“, disse ele em resposta ao um comentário feito por mim.
Ele se apoia no conhecimento moderno de que o cérebro masculino e o cérebro feminino tem padrões de auto-consciência em relação ao ‘gênero’: que algumas pessoas, por motivos diversos associados à formação embrião/feto podem ter deslocado este padrão de dimorfismo neuro-endócrino associado ao sexo correspondente.
Sou biólogo também, nem de longe com o alto nível de formação que o Eli, mas não o suficiente mal formado para não compreender as bases do que Eli apresenta como argumento (o vídeo você pode assistir abaixo, eu sugiro uma pausa na leitura para assistir ao vídeo).
Quem argumenta pelo ‘sexo do cérebro’ pra definir o correto sexo legal e social está indo com os documentos certos ao guichê errado.
A pesquisa em que Eli se baseia é de primeira linha, mas não é boa sustentação para a ideia de que homens com ‘cérebro feminino’ devam ser entendidos de fato e de direito como mulheres, pelo mesmo não por default.
Não foi com base na percepção subjetiva da Ana Paula Henkel sobre seu sexo (que, por acaso, coincidia com o seu corpo) que se instituiu a categoria ‘volei feminino’. Não foi com base na percepção subjetiva de Mike Tyson sobre o seu sexo (que, por acaso, coincidia com o seu corpo) que se definiu a categoria ‘boxe masculino’.
Foi pela existência de um conjunto de características físicas normalmente associadas à presença do aparelho reprodutivo feminino ao nascer, características estas que indubitavelmente afetam o desempenho esportivo (abaixo você pode ouvir um podcast do Gazeta Ideias com a participação de Ana Paula, falando sobre este tema).
A BIOLOGIA PROVA: BERINGELA É FRUTA
Esta discussão me lembra outra relativamente comum, também envolvendo biologia e o significado correto de termos: é muito comum que professores de biologia do Ensino Médio ou estudantes de biologia promovam grandes e animadas discussões sobre o correto significado de palavras como fruta, legume, macaco, peixe. De vez em quando saem até umas matérias no jornal sobre a polêmica, como esta aqui na Gazeta do Povo.
“Abóbora é fruta!”, dizem. “Cenoura não é legume, tá errado mãe!”, dizem também. Peixe não existe!
Fruto, em biologia, é uma palavra para se referir especificamente às estruturas reprodutivas das angiospermas que surgem a partir da polinização das flores e que contém as sementes. Já legume é o fruto específico das plantas de uma família botânica conhecida como Fabaceae (onde estão o feijão, a ervilha, o amendoim, o tamarindo e o flamboyant). Legume, pro biólogo, é aquilo que sua mãe chama de vagem.
É bom entender que a necessidade de classificação precede a escolha do nome usado para classificar. Antes que a moderna botânica tivesse começado a usar nomes para classificar estruturas de acordo com sua origem embriológica ou taxonômica, o morango já era chamado de fruta por motivos nada botânicos: porque é naturalmente doce e porque dá pra comer cru e porque é bom pra fazer geleia.
Sua mãe nunca vai chamar vagem de flamboyant de legume: vagem de flamboyant não vai bem na sopa.
Se não voltarmos ao ponto de onde partimos: se não voltamos a estabelecer que ao encontramos “sexo feminino” em um documento legal estaremos falando de pessoas que nasceram com vagina… teremos que mudar os nomes das categorias esportivas (por exemplo) para campeonato heterogamético e campeonato homogamético de futebol.
Porque o motivo original de dividir as competições esportivas em duas categorias já existia antes que biólogos descobrissem que o tamanho do terceiro núcleo intersticial do hipotálamo anterior afeta a auto-percepção de gênero.
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