Na verdade não precisamos coisa nenhuma, mas falarei assim mesmo.
Para quem não sabe, a Zara é uma rede de lojas que está nos holofotes da mídia depois de (algumas semanas atrás) uma delegada alegadamente negra ter sido barrada ao tentar entrar sem máscara em uma das filiais da empresa (ela estava tomando sorvete). A Polícia Civil do Ceará montou uma operação de guerra para “investigar” o caso: dezenas de policiais destacados: “Se uma policial que se identifica como negra é barrada em uma loja por estar sem máscara, só pode ser racismo. O que mais seria?”
Bem, o caso original foi há algumas semanas, mas hoje “vazou” na imprensa a “informação” de que a loja teria um código para alertar aos seguranças da presença de negros e pobres. Quando um negro ou pobre entrasse na loja seria acionado nos microfones o código “Zara zerou” e isto indicaria aos funcionários para que ficassem em alerta quanto à possibilidade de furto. Isso me remete a quem? É claro, a Thomas Sowell.
Em “Discriminação e disparidades”, Sowell faz uma útil classificação das formas de discriminação. Ele as divide em dois tipos: “Discriminação I” e “Discriminação II”. A primeira é a discriminação baseada em critérios pontuais para fins específicos. É aquela praticada por todos nós, o tempo todo: você discrimina ao decidir em que grupo de trabalho vai entrar na faculdade ou a qual funcionário vai dar um cargo de chefia ou com qual dos três atuais ficantes você vai investir num relacionamento sério. Você faz decisões profissionais, amorosas, acadêmicas entre pessoas escolhendo algumas e outras não para ocuparem esta ou aquela função.
A segunda é a discriminação praticada por quem aprendeu a odiar algum grupo aprioristicamente. É a discriminação promovida pelos neonazistas contra negros e judeus ou a praticada por você que bloqueou todos os seus amigos que votaram no candidato que você não queria nas últimas eleições. Não é de nenhum destes dois tipos de discriminação que estamos falando.
“COMO ASSIM, DANIEL? NÃO ERAM DOIS TIPOS?”
Sim. Mais ou menos. Thomas divide a “Discriminação I” em “Discriminação Ia” e “Discriminação Ib”.
A “Discriminação Ia” é praticada sob circunstâncias mais custosas e tende a ser mais objetiva: um concurso público, uma audição para um novo guitarrista da sua banda, uma entrevista de emprego, a decisão sobre se vai ou não ter um segundo encontro com a tinderela. Nestas situações você desloca um volume maior de recursos para analizar mais apropriadamente a pessoa: agenda um horário, prepara testes específicos, analisa demoradamente diversas variáveis, conversa durante horas.
A “Discriminação Ib” é aplicada por todos nós em situações em que não há recursos (tempo, materiais) para uma análise mais aprofundada do objeto. Imagina que você seja uma linda mulher loira casada com um belo homem preto e mãe de dois filhos mulatos. Nem fodendo que você é racista contra os negros, nem fodendo que você odeia negros e os quer longe de ti. Podendo escolher entre diversos homens você escolheu um negro para dormir ao seu lado e escolheu ter dois filhos mulatos com ele.
Acontece que nem sempre você tem meios de fazer avaliações objetivas de características específicas: às vezes você tem que ir no palpite, reagir no susto.
Imagine que, andando à noite no aterro do Flamengo, você veja dois adolescentes mulatos vestidos com camisa do Flamengo, de chinelo Kenner e de bermuda da Cyclone caindo pela cintura. Você está sozinha e acabou de pegar o celular novo na loja. Seu coração palpita, meu coração palpita, se os dois adolescentes se virem vindo na direção deles próprios o coração deles palpita também. Se você puder vai atravessar pro outro lado da calçada. Você discrimina com base em critérios de grupo que você já tem registrados a partir de experiências prévias de ter sido vítima ou testemunha de assaltos.
É isso que chamam por aí de racismo estrutural e é por isso que a socialistada cheirosa do Leblon diz que “todo mundo é racista”, mas isso não é racismo nenhum, nem mais estrutural, nem menos estrutural. E eu posso te provar.
Se as pessoas que estivessem vindo na sua direção fossem dois negros de meia idade, seu coração não ficaria acelerado e você seguiria caminhando normalmente. Se as pessoas que estivessem vindo em sua direção fossem mulheres negras pobres, seu sistema nervoso não daria um piripaque e você não mudaria de calçada.
Se o fato de que adolescentes negros ativam mais o seu SNAS que adolescentes brancos é racismo, o fato que que homens e jovens afetam mais o seu SNAS que mulheres e idosos é o quê? Sexismo contra homens? Etarismo contra os jovens? Ou falsa simetria?
O fato é que existe um perfil sociodemográfico típico para pessoas que cometem crimes urbanos contra o patrimônio. E você responde tanto instintivamente quanto racionalmente a ele. Por seja lá quais forem os motivos em que você queira acreditar, criminosos urbanos contra o patrimônio são geralmente jovens, geralmente do sexo masculino, geralmente pobres, geralmente barulhentos em grupo, geralmente negros.
Eu duvido de que a Zara tenha um alerta para a entrada de negros, ou de pobres, ou de homens. Eu duvi e d ó dó que se eu entrasse na Zara de Fortaleza o autofalante gritaria “Zara zerou”. E o motivo é simples, hoje eu sou um homem negro de meia idade com renda razoável o suficiente para me vestir “na média” de um típico frequentador de shopping. Eu também tenho um comportamento em público bem adequado à vida civilizada.
O que a Zara provavelmente tinha era uma alerta para a entrada de suspeitos, que geralmente são de um grupo demográfico (etnia, sexo, idade, classe social, costumes sociais, padrão de vestimenta) muito específico.
Quem me segue por aqui provavelmente não sabe, mas eu já fui morador de rua, mendigo mesmo. Meu pai me botou pra fora de casa quando eu tinha 9 anos. Já catei lixo pra comer. Minha adolescência e meu começo de juventude foram na extrema miséria. E até os meus 20 anos eu vivia sendo parado pela polícia.
Dos 13 anos até os 27 eu vendia bala no trem e no ônibus. Por volta dos 16 eu tinha uma coleção de camisas de time. A maioria delas eram falsificações baratas, mas uma era a oficial do Milan, da Lotto, coisa linda, gastei uns 15 dias vendendo bananada no Japeri pra comprar aquilo.
Era batata: eu metia minha camisa do Milan, saia na rua, a polícia me parava. Obviamente estranhavam um moleque com chinelo de dedo furado e com o pé sujo de asfalto vestindo uma camiseta que custava meio salário mínimo: era #zarazerou na hora: “Que que tem nessa mochila, moleque?”
Ficavam surpresos quando viam que só tinha paçoquita, bananada de abacaxi e bala juquinha. Nunca levei um tapa na cara. Nunca fui vítima de “falso flagrante”. Desde os 20 anos que só fui parado pela polícia uma vez, voltando da UFRJ à noite na passarela do Império Serrano.
Eu não deixei de ser preto, nem deixei de ser homem (os dois elementos demográficos mais visados pela polícia do RJ): eu deixei de ser adolescente socioeconomicamente miserável, e – portanto – de fazer parte do típico perfil das pessoas envolvidas com crimes contra o patrimônio.
Se você acredita que seguranças visam mais os negros por conta do racismo, você vai ter que acreditar que seguranças visam mais os homens por conta do sexismo e que visam mais os jovens por conta do etarismo. Ou vai ter que pedir arrego e clamar pelo socorro da “falsa simetria”, que sempre acode nestas horas.
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