Este post foi atualizado com informações extraídas da própria documentação da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal. A atualização está no final do texto. A atualização foi baseada em informações adicionais fornecidas pelo portal Poder 360.
Na tentativa de dar um crédito de confiança ao atual staff do Supremo Tribunal Federal, fui à cata das argumentações que fundamentam a mais nova maldade cometida contra as liberdades de imprensa e de expressão por aquele tal ministro da suprema corte brasileira.
Encontrei uma matéria da BBC intitulada “Os argumentos do STF para determinar prisão de blogueiro Allan dos Santos”. O site de propriedade da rede estatal de televisão britânica transcreve assim os principais argumentos do ministro: “Entre os crimes que estariam sendo cometidos por Allan dos Santos está a participação e promoção de uma organização criminosa cujos objetivos são: atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral, reforçar a polarização, gerar animosidade na sociedade brasileira e promover o descrédito dos poderes da República. Ainda segundo o ministro, Allan seria um dos líderes da organização e sua atuação não se limitaria apenas à internet.“
A BBC informa que as alegações não se limitam a isto (ufa!), “O comportamento do representado não se limita somente à sua atuação na internet, por meio de postagens, sendo ele o organizador de diversas reuniões entre membros da referida organização criminosa, com definição de estratégias a serem adotadas, revelando-se como um dos líderes do grupo criminoso”.
Sim, mas se os “crimes” efetivamente praticados são os descritos mais acima, então as reuniões mencionadas devem ser aquilas coisas que em jornalismo chamam de “reunião de pauta”: “Você escreve um texto sobre o Barroso, eu escrevo sobre o Moraes. E aí fulano, vai escrever sobre quem? Fux ou Weber?” Ahh, e ainda há a alegação de que Allan ganha dinheiro através da transferência de parte do valor pago pela publicidade veiculada durante seus vídeos e usa parte deste dinheiro para dar ainda mais publicidade ao seu trabalho. Nossa! Gravíssimo isso aê!
“REFORÇAR A POLARIZAÇÃO” E “GERAR ANIMOSIDADE”: COMO É QUE O STF QUER TER ALGUM CRÉDITO, MINISTRO?
Atacar integrantes de instituições públicas”? O Presidente da República acabou de ser retratado como uma caricatura de Adolph Hitler na capa de um dos maiores veículos de comunicação do país. Embora eu ache a caricatura tosca, não acompanho o choro em relação ao “desrespeito”, por mim a capa devia ser ignorada em vez de debatida.
Aqui, é pertinente usar o episódio como régua: foi expedido mandado de prisão contra os responsáveis pela Isto É e por sua capa injuriosa? Foi pedido um direito de resposta, que é um instrumento legal totalmente distinto, civil, e geralmente não visto de maneira alguma como um ataque à liberdade de expressão, mas – até onde eu saiba – não há nenhum indício de ação criminal promovida contra a revista ou contra os jornalistas envolvidos na injúria.
Se críticas públicas são “ataques”, então integrantes de instituições públicas são “atacados” o tempo todo, faz parte do seu ofício suportar os “ataques”.
Foi o próprio Careca do STF quem escreveu que “Quem não quer ser criticado, quem não quer ser satirizado, fique em casa. Não seja candidato, não se ofereça ao público, não se ofereça para exercer cargos políticos. Essa é uma regra que existe desde que o mundo é mundo. Querer evitar isso por meio de uma ilegítima intervenção estatal na liberdade de expressão é absolutamente inconstitucional”. O Careca do STF exerce cargo público, a crítica a ele e aos 10 outros imprestáveis da corte é tão do jogo quanto a crítica ao presidente em exercício.
Reforçar a polarização? Que diabo de alegação é essa, ministro? Que ação alguém precisa cometer para reforçar a polarização? Defender as ideias de seu polo ideológico? Contrapor as ideias do polo ideológico opositor? Não é exatamente disso que se trata o debate público?
Quando eu demonstro publicamente aqui que as alegações sobre “mortes por homofobia no Brasil” que inclusive são usadas para fundamentar votos dos intocáveis do Supremo são notícias falsas, será que eu também reforço a polarização? Quando eu mostro aqui casos de feministas fazendo acusações sem provas (e contrárias as provas conhecidas) de estupro contra um homem ao que tudo indica inocente (a julgar pelas provas conhecidas), eu reforço a polarização? Quando eu demonstro aqui as inconsistências matemáticas e metodológicas de uma série de “estudos” disseminados por organizações e ativistas envolvidos na “defesa” das “minorias”, estou reforçando a polarização? Seria eu um criminoso por noticiar fatos que tornam os polos ideológicos distintos cada vez mais distintos?
Gerar animosidade na sociedade brasileira? Você está de sacanagem, senhor Careca? O que gera animosidade na sociedade brasileira é pênalti ou impedimento marcado em partida do Flamengo (contra ou a favor). Vai mandar prender árbitros e bandeirinhas, também, ministro?
A animosidade política surge tanto espontaneamente quanto influenciada pelos mais diversos agentes com voz no debate público: ela é gerada cada vez que um cidadão comum usa o termo petralha ou o termo bolsominion nas redes sociais. Ela é gerada quando uma amiga bloqueia outro nas redes sociais por conta de uma declaração de voto neste ou naquele candidato. Ela e gerada quando a Maria Julia Coutinho diz para quem reclama dos efeitos das quarentenas compulsórias sobre suas vidas que “o choro é livre” e quando mente (divulga fake news) sobre uma unanimidade entre os especialistas que não existe e jamais existiu. Ela é gerada quando senadores transformam uma CPI em um circo, como fizeram com destaque (mas não exclusividade) durante o depoimento de Luciano Hang.
Promover o descrédito dos poderes públicos? Sério, Careca?
OBS.: Ainda quero dar um crédito ao STF, embora esteja difícil. Confesso que ainda não tive tempo de ler o material disponível no site do STF sobre o caso, preferindo apelar para o resumo publicado pela BBC.
Prometo que vou baixar e ler pelo menos parte dos papéis disponíveis no portal do STF, se encontrar indicação de evidências de que o Allan estava organizando um atentado a bomba em algum prédio do Poder Judiciário, prometo que mudo de posição.

ATUALIZAÇÃO: como já havia sido informado, este post foi baseado no resumo jornalístico publicado pela BBC. Após a publicação deste post, encontrei uma matéria do Poder 360 que dá conta de uma alegação que não era informada pela BBC e por outros veículos: a suspeita de que Allan tivesse recebido doação ilícita. A suspeita baseia-se meramente no valor integral de algumas doações praticadas em diversas parcelas por funcionários públicos. Não há prova da ilicitude de tais verbas e nem indicação de quanto tempo levou até que elas acumulassem os montantes indicados.
Moraes expediu duas decisões distintas contra Allan: uma da quebra de sigilo de informações relacionadas ao canal Terça Livre em função de tais suspeitas de ilegalidade das doações e outra de prisão. A fundamentação apresentada por Moraes para a prisão não se baseia nas suspeitas de doação falsa, mas nas “motivações” resumidas na matéria da BBC. Você pode ter acesso aos documentos publicados pela PGR, pela PF e pelo STF no site do Poder 360.
A monetização e o recebimento de doações por superchat não são provas de ilícito por parte de Allan ou do Terça Livre. O valor relativamente alto do total de parcelas pagos por alguns funcionários públicos (algumas chegaram a doar 40 mil reais em valores não unitários) podem de fato indicar algum tipo de propina, ou não.
Esta página aqui mesmo recebe doações (vide anúncio acima) e eu sei que algumas vêm de funcionários públicos. São doações feitas por gente que acredita na utilidade das ideias e informações que trago. De fato, um amplo número de páginas virtuais fazem este tipo de coleta de alguma maneira.
É fato que nem toda a doação somada que já recebi chega perto do valor de 40 mil recebido de apenas um doador do Allan. Entretanto, é também fato que minha página também não tem nem traço do alcance e da produção que o Terça Livre possuia. A PGR se posicionou favoravelmente à quebra de sigilo (para investigação da origem das doações), mas contra a prisão de Allan (sem que haja qualquer prova de ilícito “exceto” aqueles “ilícitos” elencados por Moraes).
Deixe um comentário